terça-feira, 28 de setembro de 2010

Textáfrica 0 - Atlético 1 (ACTUALIZADO)

Quis o destino que na época de 1973-1974, o Atlético visse o sorteio para a Taça de Portugal definir-lhe como adversário, o Textáfrica, equipa de Vila Pery, Moçambique.
Naquele tempo algumas equipas dos territórios do Império eram apuradas para a Taça de Portugal. Foi assim que a equipa da Vila Pery se viu nestas andanças, selando o seu destino com o do Atlético clube de Portugal.
Este jogo teve uma particularidade, já que se tratou da última deslocação de uma equipa da Metrópole, como era referido na época o Continente, a territórios ultramarinos, em provas oficiais da Federação Portuguesa de Futebol.
O Atlético, que naquele ano disputava o Campeonato Nacional da II Divisão, protagonizando, nessa época, a sua última subida à I Divisão, por onde se iria manter por mais três derradeiras temporadas; havia defrontado, anteriormente, e vencido, a 11 de Novembro de 1973, o Futebol Clube de Alverca, na casa deste por 0-2, para a 2ª eliminatória, já que os clubes da sua divisão estavam isentos da eliminatória inicial. Igualmente, este jogo encerrou a curiosidade de ter sido a primeira vez que as duas equipas se defrontaram. À época, o Futebol Clube de Alverca disputava a 3ª Divisão Nacional.
Seguindo em frente, na 3ª eliminatória da Taça, a 27 de Janeiro de 1974, já com a revolução à porta, o Atlético recebeu e venceu, na Tapadinha, a União de Leiria, que era seu “colega de zona” na II Divisão; e na 4ª eliminatória afastaria o Sintrense, no pelado da Portela, por resultado idêntico (1-2).
Chegávamos então à 5ª eliminatória. Curiosamente, na época anterior 72-73, os caprichos dos sorteios da Taça já haviam feito com que o Atlético se deslocasse a África, só que daquela vez a Angola, onde defrontou e venceu (1-2) o Benfica de Huambo, no Estádio Cosme Damião, na Cidade de Nova Lisboa. Desta vez a África era outra, era a África Oriental Portuguesa, ou seja, Moçambique, onde o Atlético Clube de Portugal já estivera, em digressão, em 1951.
A história deste jogo é bastante atribulada já que estávamos em Moçambique, na Cidade de Vila Pery, em 1974, em pleno período de Guerra Colonial, numa zona muito próxima de uma das frentes do teatro de operações.
O jogo seria disputado a 7 de Abril de 1974, no campo do Soalpo, em Vila Pery, actual cidade de Chimoio, perante numerosa assistência, já que a vinda de uma equipa da Capital do Império suscitava sempre grande curiosidade que extravasava o fenómeno futebol.
O Atlético, apesar de ter vencido o encontro, já lá iremos, apresentou-se no terreno em condições físicas deficitárias, longe de serem as ideais para a prática de futebol, em resultado de uma atribulada viagem. A comitiva alcantarense viajou dia 4 de Abril, tendo chegao a Lourenço Marques, actual Maputo, de madrugada, ou seja, ás primeiras horas de 5 de Abril, sexta-feira.
Segundo os jornais da época, a comitiva do Atlético terá permanecido no Aeroporto Internacional de Lourenço Marques entre as 2.15 e as 4.00 da madrugada, só conseguindo-se um hotel para a equipa descansar pelos alvores da manhã.
Não deixa de ser curioso reparar que naquele tempo uma equipa de futebol partia para África sem reservas de hotel antecipadas, ou pelo menos isso acontecia com o Atlético; ou seja, passe o exagero, de Alcântara partia-se para lá do Cabo da Boa Esperança, sem saber o que encontrar, tal como no Sec. XV Gama o fez.
Esta é aliás uma situação referida pelos jornais da época, já que normalmente cabia ao Governo da Colónia salvaguardar a chegada e a estada das equipas metropolitanas. Estávamos, já se vê, a 5 de Abril de 1974, e por esta pequena amostra se vê que algo já não ia bem na vida do Império.
O Atlético não teve direito a qualquer recepção oficial à sua chegada, o que ia contra os preceitos da época, e também não havia hotel reservado pelo Governo da Província.
A comitiva do Atlético foi então repartida por dois hotéis onde pode de alguma forma repousar.
Ainda segundo a imprensa da época, apurou-se mais tarde que a Federação Portuguesa de Futebol cometera o lapso de não comunicar a presença do Atlético à Associação Provincial de Futebol de Moçambique (actual Federação Moçambicana de Futebol), daí a ausência do acompanhamento adequado. Ou seja o mal instalado partia da metrópole e não da província ultramarina.
Na sequência disto, foi sugerida à equipa do Atlético Clube de Portugal que partisse por via terrestre para Vila Pery, situação a que se opôs firmemente o chefe da comitiva, sr. Agostinho Gil, hoje um septuagenário estabelecido em Alcântara, com um negócio de drogaria, já que tal viagem, para além de desgastante, cerca de 1200 quilómetros, afigurava-se bastante perigosa pois tratava-se de atravessar um território em guerra. Foi então resolvida a situação através de um sistema de táxis aéreos. O Atlético viajou por terra até à Beira e daí tomou táxis aéreos para Vila Pery.
A equipa do Atlético chegou à terra do Textáfrica a meio da manhã de 7 de Abril, dia do jogo, estando este marcado para as 15 horas, dessa tarde, 14 horas em Lisboa.
Foi nestas condições, portanto, aquelas em que a equipa do Atlético defrontou o Textáfriaca, completamente arrasada duma venturosa viagem.
O jogo disputou-se sob fortes medidas de segurança asseguradas pelo Exército Português, já que Vila Pery era uma zona do conflito armado que grassava naquela província ultramarina.
Sobre este tema, procuraremos brevemente chegar à fala com o sr. Agostinho Gil através do nosso colaborador Vítor Rodrigues
Vamos então ao jogo.
O Atlético era na época treinado por Fernando Mendes e o Textáfrica por josef Fabian. Aqui há outra curiosidade. Josef Fabian era um húngaro dissidente que se radicara em Portugal, anos antes, para jogar futebol, tendo depois tornado-se treinador. Foi nesta faceta que passou pela Tapadinha, já que chegou a ser treinador do Atlético.
Apesar do desgaste físico da viagem, a equipa de Alcântara mostrou melhor futebol, melhor táctica, melhor técnica e mais velocidade, sendo este conjunto de factores uma fonte de preocupações para Josef Fabian e os seus jogadores.
Ou seja, o resultado final de 0-1, que já se fazia sentir ao intervalo, acabou por não ser, de forma alguma o espelho do jogo.
A bem escalonada defesa do Atlético, com Caló em tarde de inspiração, não permitia quaisquer infiltrações dos rapazes do textáfrica no último reduto alcantarense.
O jogo foi sempre controlado pelo Atlético e o resultado só não foi outro graças ao guarda-redes Maló, em exibição notável, que mais tarde haveria de ir para o Clube Académico de Coimbra (clube sucessor da Académica, no futebol profissional, durante o período 1974-1984)
Aos 31 minutos registou-se o golo do Atlético, O tento nasceu de uma jogada aparentemente inofensiva com Maló a cometer o seu único erro. Leitão, postado do lado direito, recebeu a bola de Clésio, que se encontrava na esquerda, com inteligência desviou a trajectória da bola introduzindo-a na baliza. Maló não contava com esta “finta”, acabando por ser mal batido. 

O Atlético ganhou o jogo mas a figura do jogo foi o guarda-redes do Textáfrica,
Maló, que haveria de jogar na Briosa

No segundo tempo o Atlético voltou a ser a estrela do jogo, dispondo de boas oportunidades, nunca concretizadas e sempre negadas por Maló. Maló defendeu um remate à queima-roupa aos 70 minutos, e aos 80, Seidi enviou uma bola à trave. Pouco depois o mesmo Seidi era rasteirado na are, mas o árbitro não considerou e marcou livre à entrada desta, que Leitão cobrou de forma deficiente, para fora.
O Atlético foi o justo vencedor pois a sua superioridade foi evidente em todos os capítulos, inclusive no físico, apesar da desgastante viagem.
O Árbitro, originário da cidade angolana de Sá de Bandeira, actual Lubango, foi Hildebrando Monte e as equipas alinharam da seguinte forma.
Textáfrica – Maló; Mambo, Madeira, Vicente e Zeza; Sebastião, Bessa e Fernando Rodrigues; Paiva, Miguel e Zacarias.
Atlético – Lapa; Esmoriz, Caló, Candeias (cap.), e Franque; Mesquita e Nogueira; Seidi, Clésio, Leitão e Vasques. No inicio da 2ª parte Guaçu entrou para o lugar de Clésio, e três minutos depois Semedo substituía Nogueira.
Na época só eram permitidas duas substituições e, infelizmente, não conseguimos apurar as eventuais substituições ocorridas na equipa da casa, se as houve, já que nos anos 70 não era incomum efectuarem-se jogos sem se operarem substituições.
O Atlético continuaria assim na Taça de Portugal onde haveria de ser eliminado pelo Sporting Clube Farense, mas essa é outra história.
Passado, o jogo, o Atlético regressaria à metrópole em condições semelhantes à sua ida, num Portugal cujo rumo iria mudar brevemente e que tão negativamente haveria de marcar o futuro, hoje já passado, do Atlético Clube de Portugal.

Factos curiosos, mas tristes
Naturalmente que para além dos documentos da época a que tivemos acesso tentámos complementar informação através de outros meios, nomeadamente pesquisas na internet, na busca de um depoimento ou de uma foto do jogo.
Estas buscas foram, infelizmente infrutíferas e sobre a derradeira ida a África, de um clube português, em período colonial, nada encontrámos que acrescentasse às linhas anteriores.
Contudo, encontrámos algumas linhas colaterais relacionada com o jogo.

Sob a pena do antigo 2º Sargento da Força Aérea portuguesa (FAP) Augusto Ferreira, actualmente a residir na cidade Coimbra encontramos algumas linhas que transcrevemos de seguida, bem como algumas fotos que, com a devida vénia, reproduzimos.

2º Sargento Miliciano Augusto Ferreira

“Este aeródromo (o do Chimoio, antiga Vila Pery – n.d.r.) ficava sensivelmente a meio, entre Tete e Beira, e era onde se dava algum apoio aos nossos aviões. Era utilizado pelo seu aeroclube, pelos táxis aéreos, aviões de pulverização do algodão e pela nossa Força Aérea.
Pois é, estávamos lá em 1973 com as nossas máquinas, quando surgiu em táxis aéreos, a equipa de futebol do Atlético, que estava ali para jogar com o Textáfrica, para a Taça de Portugal.
Claro que fomos ver o jogo e o Atlético acabou por vencer por 0-1. O pessoal da FAP teve até direito a medalhas. Nas despedidas, um simpático  dirigente do Atlético, resolveu tirar-nos umas fotos, com o compromisso de no-las enviar para casa, logo que chegassem à "Metrópole", o que aconteceu.”
da esquerda para a direita:
especialista mecânico de material aéreo (nome desconhecido), alferes Brás e 2º sargento Ferreira 

Em relação á foto que te envio acontece que passados cerca de 8 a 15 dias, não posso precisar,estava na altura na BA 10 -Beira quando recebi a notícia de acidente com T6 no Aeródromo do Chimoio. O Alferes Brás voava rasante ao aeródromo quando, numa volta mal controlada, o T6 entrou em perda e se despenhou, embatendo no solo, incendiando-se de imediato. O Brás morreu carbonizado, foi horrível, segundo relatos de companheiros nossos que nada puderam fazer.
Provavelmente, a família do Brás recebeu a notícia da sua morte juntamente com a foto que o nosso amigo do Atlético, simpaticamente, nos quis enviar para casa…”
e ainda:
“Para complementar a primeira notícia, envio-te a outra foto, que nos tiraram na altura os dirigentes do Atlético, que estiveram lá no célebre jogo com o Textáfrica, para a Taça de Portugal e ainda a medalha, que nos entregaram, na altura das despedidas. (…)”



da esquerda para a direita:
especialista mecânico de material aéreo (nome desconhecido), alferes Brás e 2º sargento Ferreira 





exemplar da medalha que o Atlético levou para oferecer em África


Curiosamente, e para terminar, referir que há uma imprecisão nas palavras escritas do sr. Augusto Ferreira, antigo 2º sargento da FAP, ao referir o ano de 1973, certamente atraiçoado pela memória, como sendo o ano destes acontecimentos. De facto as fotos em questão e a passagem do Atlético pelo actual Chimoio ocorreu no dia 7 de Abril de 1974, data muito provável das duas fotos aqui exibidas.

Àcerca disto, na mesma página http://vitlis.com/Chimoio/acidente-ac-chimoio-1973/, o sr. Vitorino Teixeira faz o seguinte reparo:
"Muito obrigado "colega" Augusto Ferreira.
Faço aqui a correcção de datas; o acidente aconteceu após o 25 de Abril e o funeral do Toninho Rebelo foi em 2 de Maio de 1974.
Estes dados foram-me confirmados por familiares do Rebelo no recente encontro de Chimoienses no Buçaco em 6/9/2009.
Também procurei na "net" dados sobre a Taça de Portugal de 1973/74 e encontrei a confirmação do jogo Textáfrica-Atlético na quinta eliminatória ( já em Abril de1974 )."

Nuno Almeida
(todos os direitos reservados)

4 comentários:

  1. está um trabalho interessante com o rigor possivel que me agrada. Porem, estou em querer que na época em causa, o atlético estava de facto na primeira divisão, uma vez que foi nesta época que o benfica foi campeão só com dois empates, sendo um deles precisamente na tapadinha a zero bolas com grande exibição de Lapa para desespero de Eusébio que nesse ano ganhou a bota de ouro. Isto é feito de cabeça e peço desculpa se estou a afirmar algo errado. Sou sócio do atlético e tento não falhar nenhum jogo, tendo na época passada ido à Madeira ver o união 1 Atlético 0. Obrigado!

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  2. Caros Amigos,
    Vou procurar no "baú" algumas fotos deste grande jogo de futebol para vos enviar.
    Estava em Vila Pery na altura e se a memória não me falha assisti a esse jogo com o Brás e outros companheiros.
    Por curiosidade, alguns dias depois do jogo, levantei voo num DO 27 com o amigo Alf. Brás,em Vila Gouveia, numa acção de patrulhamento e acompanhamento das viaturas com material para Cabora Bassa (Cahora Bassa, desde a Ponte do Pungué até ao Guro. Também posso enviar algumas fotos tiradas com o Alf. Brás neste dia.
    Este voo de reconhecimento foi realizado 2 ou 3 dias antes do acidente que vitimou o Alf. Brás e o Toninho Rebelo, em Vila Pery.
    Conheci o Toninho Rebelo, em 1972, durante o Curso de Pisteiros de Combate, em Vila Pery. E o Alferes piloto-aviador Brás, foi-me apresentado em 1973, em Vila Gouveia, por um amigo de infância, o Alf. Piloto-Aviador João Pimentel, de Coimbra.
    Foi uma grande perda e um grande choque para mim na altura e que ainda me acompanha nos dias de hoje.
    Cumprimentos,
    Carlos Ribeiro

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  3. Excelente

    O Piresa(Nogueira) ou o Esmoriz,têm fotos da época
    e não é muito dificil de os encontrar,já os tenho visto na tapadinha ou em Alcantara.

    E nos jornais? no arquivo da bola ou diario denoticias? não se arranjara noticia?

    Parabens pelo excelente trabalho.

    Eu por mim agradeço o empenho.

    Vitor Nunes

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  4. Tenho apenas uma rectificação a fazer:
    O guarda-redes do Textáfrica nesse encontro não foi o Maló (cuja foto aparece no texto) que jogou na Académica em épocas anteriores a esse encontro de 1974, e nunca jogou no Textáfrica.
    O guarda-redes do Textáfrica chamava-se Gomes natural de Moçambique, que jogou no Sporting de Lourenço Marques (numa equipa em que jogava o Eusébio) e depois no Textáfrica, mas nunca jogou na Académica nem em nenhum clube em Portugal.
    Quanto aos restantes nomes da equipa do Textáfrica estão correctos, salvo o Zesa, que se chamava Zeca.

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